Fenilcetonúria
Fenilcetonúria
(FNC) é um erro inato do metabolismo, de herança autossômica recessiva, cujo
defeito metabólico (geralmente na fenilalanina hidroxilase) leva a acúmulo de
fenilalanina (FAL) no sangue e a aumento da excreção urinária de ácido
fenilpirúvico e fenilalanina.
Foi a primeira
doença genética a ter um tratamento realizado a partir de terapêutica dietética
específica .
Sem a
instituição de diagnóstico e tratamento precoces (anterior aos 3 meses de vida
através de programas de triagem neonatal), a criança portadora de
fenilcetonúria apresenta um quadro clínico clássico caracterizado por atraso
global do desenvolvimento neuropsicomotor, deficiência mental, comportamento
agitado ou padrão autista, convulsões, alterações eletroencefalográficas e odor
característico na urina. Pacientes que fazem o diagnóstico no período neonatal
e recebem a terapia dietética adequada precocemente não apresentam o quadro
clínico descrito.
Três formas de
apresentação metabólicas são reconhecidas e classificadas de acordo com o
percentual de atividade enzimática encontrado:
·
fenilcetonúria clássica: quando a
atividade da enzima fenilalanina hidroxilase é praticamente inexistente (atividade
inferior a 1%) e, consequentemente, os níveis plasmáticos encontrados de FAL
são superiores a 20 mg/dl.
·
fenilcetonúria leve: quando a atividade
da enzima é de 1 a 3% e os níveis plasmáticos de FAL encontram-se entre 10
mg/dl e 20 mg/dl.
·
hiperfenilalninemia transitória ou permanente:
quando a atividade enzimática é superior a 3% e os níveis de FAL encontram-se
entre 4 mg/dl e 10 mg/dl; esta situação é considerada benigna, não ocasionando
qualquer sintomatologia clínica 1
Uma atenção
especial deve ser dada às crianças do sexo feminino com quadros de
hiperfenilalaninemia permanente porque, na gestação, as quantidades aumentadas
da FAL materna (valores acima de 4 mg/dl) levam a uma maior incidência de
deficiência mental (21%), microcefalia (24%) e baixo peso ao nascimento (13%).
Estas meninas, na idade fértil, devem ser orientadas a iniciar a dieta para
pacientes fenilcetonúricos e manter níveis iguais ou inferiores a 4 mg/dl antes
da concepção, assim como durante toda a gestação.
Há casos de
hiperfenilalaninemias atípicas, causadas por deficiência no co-fator da
tetra-hidrobiop-terina (BH4) - com incidência de 1% a 3% dos casos, com pior
prognóstico porque apresentam quadro clínico mais intenso, sendo o tratamento
dietético de pouca valia na maioria das vezes 1 .
O tratamento
da fenilcetonúria consta de intervenção dietética com restrição de
fenilalanina. Resultados de estudos não-randomizados demonstraram que a dieta é
efetiva em reduzir níveis séricos de fenilalanina, melhorar o quociente de
inteligência e desfechos neuropsicomotores.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico
ideal é aquele realizado através de programas de triagem neonatal, pois permite
tratamento precoce e prevenção do desenvolvimento do quadro clínico.
A triagem
neonatal é realizada através da dosagem quantitativa da FAL sanguínea, obtida
de amostras colhidas em papel filtro (teste do pezinho). Para que o aumento da
FAL possa ser detectado, é fundamental que a criança tenha tido ingesta proteica,
portanto recomenda-se que a coleta seja feita após 48 horas do nascimento da
criança. Neste momento, mesmo em crianças de risco que ainda não tiveram
contato com o leite materno, pode ser colhido material desde que elas estejam
sob dieta parenteral (rica em aminoácidos essenciais).
A triagem para
fenilcetonúria através da análise de metabólitos na urina mostra-se inadequada
para um programa de diagnóstico precoce. As alterações detectáveis na urina
surgem apenas em fases posteriores às detectáveis no sangue e, muitas vezes, já
com os primeiros sinais de lesão no sistema nervoso.
DIAGNÓSTICO
CLINICO
Idealmente o
diagnóstico não deve aguardar até a fase de manifestações clínicas para que
seja realizado, uma vez que lesões irreversíveis podem ocorrer. Para casos que
não foram diagnosticados durante a triagem neonatal, os seguintes sintomas
devem fazer com que se pesquise o diagnóstico de fenilcetonúria em crianças que
não tenham realizado triagem neonatal (diagnóstico tardio):
·
Atraso do desenvolvimento neuropsicomotor (de
qualquer intensidade);
·
Deficiência mental;
·
Comportamento agitado, agressivo ou padrão
autista;
·
Quadro convulsivo sem etiologia definida.
DIAGNÓSTICO
LABORATORIAL
Várias
metodologias podem ser utilizadas para dosagem da fenilalanina: fluorimetria,
enzimático-colorimétrico ou espectrometria de massa. O valor de referência para
a população normal é FAL igual ou inferior a 4 mg/dl.
O diagnóstico
de fenilcetonúria (formas clássica ou leve) é feito pela dosagem de
fenilalanina com valores superiores a 10 mg/dl, em pelo menos duas amostras
laboratoriais distintas. Além disso, para descartar as formas variantes de
fenilcetonúria, os co-fatores da biopterina (BH4) devem ser também determinados
TEMPO DE
TRATAMENTO
O tratamento
preconizado deverá ser mantido por toda a vida.
Estudos
realizados sugerem que a suspensão da dieta pode resultar em deterioração
intelectual e comportamental, sendo portanto aconselhável a manutenção da dieta
por toda a vida.
BENEFICIOS
ESPERADOS COM O TRATAMENTO
Manutenção da
normalização dos parâmetros neuropsicomotores nos pacientes com diagnóstico
precoce (através da triagem neonatal) e instituição do tratamento adequado
antes dos três meses de vida.
Desenvolvimento
pôndero-estatural adequado para a idade do paciente apesar da restrição
dietética imposta
Melhoria
gradual das alterações neuropsicológicas observadas nos pacientes cujo
tratamento inicia-se à partir de três meses de idade (pacientes não submetidos
à triagem neonatal).
MONITORIZAÇÃO
O
acompanhamento da dieta dos pacientes portadores de fenilcetonúria deve ser
feito por uma equipe multidisciplinar formada por no mínimo pediatra e
nutricionista.
Logo após o
diagnóstico, o acompanhamento clínico recomendado deve ser mensal até o
primeiro ano de vida, para que a mãe seja esclarecida sobre a dieta e os
riscos das transgressões para o desenvolvimento de seu filho. Após este
período, o acompanhamento pode ser bimestral ou trimestral, dependendo da
evolução da criança e das dificuldades da família.
O
acompanhamento laboratorial, com análise quantitativa de FAL, deve ser mensal
nos primeiros 12 meses de tratamento e, após este período, dosagens a cada 2-3
meses são recomendadas. Conforme decisão da equipe multidisciplinar do Serviço
de Referência que orienta o tratamento da fenilcetonúria, algumas situações
especiais de dificuldade no seguimento podem definir uma rotina diferenciada de
acompanhamento clínico e/ou laboratorial, com a redução dos prazos acima
definidos.
CASOS
ESPECIAIS
Durante a
gestação de uma paciente portadora de hiperfenilalaninemia permanente (níveis
de FAL com resultados entre 4 mg/dl e 10 mg/dl), as quantidades aumentadas da
FAL materna (valores acima de 4 mg/dl) levam a uma maior incidência de
complicações fetais. Desta forma, meninas em idade fértil que planejem gestar
devem ser orientadas a iniciar a dieta para pacientes fenilcetonúricos e a
manter níveis iguais ou inferiores a 4 mg/dl antes da concepção, assim como
durante toda a gestação.
TRATAMENTO
O tratamento
consiste basicamente de uma dieta com baixo teor de FAL, porém com níveis
suficientes deste aminoácido para promover crescimento e desenvolvimento
adequados. Uma dieta isenta de FAL poderia levar à síndrome da deficiência,
caracterizada por eczema grave, prostração, ganho de peso insuficiente capaz de
causar desnutrição, deficiência mental e crises convulsivas.
Além da
fórmula de aminoácidos são dadas as seguintes orientações:
os lactentes
recebem as fórmulas especiais e a elas pode ser adicionado leite integral
modificado com a menor quantidade de FAL possível;
amamentação
materna pode ocorrer desde que exista controle semanal da FAL sanguínea; a
introdução de outros alimentos deve ocorrer aos 4 meses de idade, utilizando-se
alimentos que contenham baixos teores de FAL, tais como vegetais e frutas,
sempre com controle diário da quantidade de ingesta permitida de FAL.
PRODUTO
TERAPÊUTICO
Trata-se de
uma fórmula láctea, ou solução que permite a formulação láctea, servindo para
reposição dos aminoácidos essenciais (todos, com exceção da FAL) que serão
retirados da dieta instituída no paciente. Alimentos fontes de proteína (ricos
em FAL) são eliminados da dieta e a fonte de aminoácidos essenciais passa a ser
controlada através do fornecimento desta fórmula especial de aminoácidos 10. A
reposição permite que o paciente mantenha o desenvolvimento somático e
neurológico adequado apesar da importante restrição dietética que lhe será
imposta.
O produto
normalmente é liofilizado e deve ser reconstituído com água de acordo com a
quantidade a ser consumida (cada consumo deve ser preparado conforme as
orientações da nutricionista da equipe que acompanha o caso).
As fórmulas
comerciais disponíveis podem ser divididas em três grupos:
·
Fórmulas para crianças de até um ano de idade;
·
Fórmulas para crianças com mais de um ano de
idade;
·
Fórmulas que podem ser utilizadas tanto para
menores quanto para maiores de um ano de idade.
A
característica básica dos produtos é a muito baixa concentração de fenilalanina
– não superior a 0,1 g por 100 g de produto.
ESQUEMA DE
ADMINISTRAÇÃO
A dieta é
individualizada, sendo calculada para cada paciente, pois a tolerância à FAL
varia de acordo com a idade, o peso e o grau da deficiência enzimática. O
cálculo inicial baseia-se na quantidade de proteínas necessárias para a faixa
etária.
Usualmente a
dieta deve conter entre 250 e 500 mg de FAL/dia, quando o normal de ingesta
para um paciente não portador de fenilcetonúria é de 2.500 mg de FAL/dia.
BIBLIOGRAFIA
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Inherited Disease, 8th ed. McGraw-Hill Inc: New York; 2001.
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